segunda-feira, 25 de abril de 2011

Saudade

Não deu tempo de acabar com a saudade.
Ou de se acostumar e senti-la de novo
De achar que ela se foi...
Assim como a folha vai embora com o vento
e as palavras desaparecem no queimado
Da mesma forma que um anel some no ralo
e a água escorre nas mãos
Não deu tempo de acabar com a saudade.
Ou de não senti-la mais
De achar que ela se foi...
Assim como a fome aparece todo dia
e o frio me arrepia os pêlos
Da mesma forma que o beijo fica no lábio
e a vontade não some, não some
Não deu tempo de acabar com a saudade.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Fuga

Procuro pelo o que sei, já perdi. Busco aquilo que já me convenceu de, uma vez, desistir. Gosto do gosto de um doce que, sim, sempre me faz mal depois. Tateio na memória um corpo que, não, não é mais só meu. Ainda tenho medo daquela sala no fim corredor. Prefiro assim. Algo pra me emocionar. Sempre penso se haverá, ou não, um telefonema no fim do dia. Gosto assim. Alguma coisa pra me preocupar. Penso na quantidade de cascas de ovos que caem, sem querer, na massa do bolo. Olho todos dias em que nível está a água no vaso da planta. É pra ter o que controlar. Me pergunto quantas vezes já cruzei nas ruas com esse mesmo olhar. Me encho de pensamentos. Assim, tenho com o que me ocupar. Quando quero me enjoar olho pra mesma imagem horrível. A coloco de volta na gaveta e só retorno à ela quando quero vomitar. Planejo detalhadamente meu dia. Quem sabe, um evento quebra minha rotina.

terça-feira, 19 de abril de 2011

De ânsia

Ah, essa ânsia! Isso aqui que tá aqui não sei como, isso que vem não sei de onde, não sei por quê. Ah, essa ânsia! Isso que me fere e me fascina, que quero e abomino. Ah, essa ânsia! Da contradição. De ser dua. Duas. Numa, uma. Ah, essa ânsia! De falar não sei o que, não sei como. De vomitar essa reverberação. Vontade de explodir. Alguns milhões de pedaços que separados não são mais eu. São qualquer coisa que o não-eu. Só o não-eu me possibilita a negação do eu. Do... "Posso me deitar nessa chão? É só porque preciso esticar meu corpo." Com ele meu intrínseco segredo. Minha vontade de vomitar o que não quero. O que quero pra fora. Ah, essa ânsia. Se cria na expectativa e nela se fixa, se concretiza. Pra não tirar de mim. Pra não sair.

Não Identificação

Entendo o que é o querer e quero fazer
Chego perto da ação, recuo
Busco, procuro
Achei
Parei
Fiquei
Retorno, busco, procuro
Acho.
Acho que quero e
acho que não quero
Acho que um dia soube mais de mim

terça-feira, 12 de abril de 2011

Momento

9 minutos pra te ver
e o resto pra tentar te esquecer
7 horas pra chegar
e o que sobra pra descansar
3 dias num ônibus
e o resto pra conhecer
1 semana de espera
e uma conversa pra descobrir
3.600 segundos numa ligação
e o que sobra pra pensar
21 anos de vida
e mais 2 de terapia pra me aceitar
1 rápido orgasmo
uma eterna sensação
1 tarde de limpeza
e um descuido pra sujar
7 anos de estudo
1 folha pra comprovar
um suspiro devaneio
e o resto pra se culpar
30 segundos pra aguar
e o que sobra pra crescer
1 dia pra ter coragem
e o resto pra se arrepender

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Necessidade

Depois de três anos do falecimento do meu ramister resolvi que não dava mais para ficar depressiva e solitária numa casa de 789m². Era preciso realizar algo importante. Barras de chocolate já não eram mais tão eficientes. Sim, é assim que substituo minahs relações humanas. Doei então minha mansão de Miami para uma ONG que cuida de crianças órfãs e me mudei para uma fazenda no Brasil. Lá, eu comecei a cuidar de animais silvestres em extinção. Claro que só fui ao fornecimento de pessoas e admiti a ajuda dos biólogos por não entender nada de reprodução sexual de aranhas ou habitats de pássaros pequenos e cantantes. Afinal, não estou tão necessitada de presença de pessoas. O fato é que apesar do tempo presente do verbo da frase anterior, já faz oito meses que cá estou em contato com a natureza e nada em mim mudou. Cansei. Vou transferir esse terreno para os biólogos e pesquisadores que lotam esse lugar e vou para a Índia. Fui. É difícil meditar, encontrar a paz interior, essas coisas, sem poder dormir num travesseiro de penas de ganso. Ao menos consegui superar a perda do leilão de um vaso da Renascença Francesa por causa de um maldito infarto da mãe do meu motorista. Depois dessa também, foi despedido. Não dá pra trabalhar com alta periculosidade. O fato é: cansei da Índia também. Será que há lugar no mundo que consiga me fazer feliz? Repleta, realizada, íntegra, inteira, sensível, simples, chique, refinada e autêntica? Enquanto passo noites em claro a pensar nesses tormentos me renovo a cada quinze dias com pequenas comprar nas ruas romanas.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Escuro Preciso

Se logo cedo meu corpo é lento e minha mente é preguisoça
À noite eu posso até dançar uma valsa
Cantar Caetano
Escrever um poema
Pensar em você
Correr pela rua
Perceber o que existe

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Obrigação

O despertador. Sono. Soneca. Sono. Saio da cama. Engulo um pão com manteiga e viro o café. Ônibus cheio de gente tão mal-humorada quanto eu. Acho que hoje eu quase apanhei no ônibus. O cara não se mexeu pra eu sair. "Meu, eu tenho que ir". Ele quase me bateu. Acho que ele quase me bateu. Sorriso pro chefe que me dá um outro amarelado em troca. Ele pode. Eu não. Telefonemas. Contatos. Recepções. Falo com pessoas o dia todo, mas não converso com elas. Olho pra muita gente na rua, mas não as vejo realmente. 30 minutos pra comer uma marmita fria que trouxe de casa. Água pra descer. Tem mais umas 5 horas pela frente. Café. Não, eu nunca saio no meu horário. Dizem que tenho um tal de banco de horas, mas não sei em que cômodo ele fica. Nunca o vejo. Cobrança. Café. Discussão na sala ao lado. "Sim, chefe. É pra já!". Se ao menos eu pudesse ver dessa janela alguma coisa que não fosse concreto. Concreto. Concretude das trocas humanas. É, porque eu não posso chamar isso de relação. Isso, essa coisa casual e precisa. Atrasado pra estudar a noite toda uma coisa que nem sei se gosto. Desembrulho o bolo de fubá. Compro um café no meio do caminho. Queria gostar de chá. Volto num ônibus abafado. Chove lá fora. Janelas fechadas. Feições fechadas. Tédio. Olheiras minhas e alheias. Vontade. Algo que não seja necessidade?