quinta-feira, 30 de junho de 2011

Carência

Me esquenta com teu corpo afetuoso antes que o frio enrijessa o meu sentimento
Qualquer prazer é qualquer se não tem o que sinto amor
Qualquer prazer é qualquer se não tem o que sinto, meu amor
Qualquer prazer é qualquer se não tem o que sinto: teu amor


Me acalma com tua doce palavra antes que eu me perca naquilo que não sei
Fica do meu lado para que eu não me assuste com a solidão
Com as pontas dos teus me acaricia a minha pele nua
Me abraça forte antes que a gente adormeça


Mas fica comigo, meu bem, só se isso quiseres.
Mas fica comigo, meu bem, só se quiseres isso.

Boa Noite

Ontem quando eu fui dormir
descobri que adormecer é o mais agradável do dia
Depois de cansar de chorar
depois que meus olhos se esverdearam
depois que meu rosto não podia mais inchar
Eu cai no sono
com lágrimas escorrendo no travesseiro
Eu dormi com o rosto molhado
e a alma acabada
Eu dormi com o corpo pesado
e com a dor machucada
Eu adormeci e, ah, como foi bom!
Nada no que pensar
Nada com o que se preocupar
Ninguém por quem me lamentar
Sem pesadelos.
Mas sem sonhos também.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Diálogo

- Porque me olhas tão calado?
- Penso no que te dizer pra não te perder.

-----

A gente também se faz na falta.

O Calor do Inverno

      Não há certeza, não há previsibilidade. Assim é a vida, assim são as relações. Por isso ele estremeceu ao vê-la depois de um mês. Ela também estremeceu.
     Se encontraram repentinamente na curva de uma esquina, na escuridão de uma noite fria. Ruas de paralelepípedos sujos. Neblina que aos poucos deixou aquela ingênua beleza feminina aparecer. Nevoeiro que logo o mostrou. Desarmado. Desamparado. Ainda apaixonado.
     Ela tentou fingir por um momento que ali já não havia nada. Nem uma emoção, nem um sentimento, nem um afeto. Mas o afago não deixou. O olhar firme logo se desmanchou. Apareceu o susto e o espanto de tal encontro tão inimaginável acontecer justo na noite mais fria. A expressão de dúvida e confusão sumiram por detrás da boca que levantou no lado esquerdo e do sorriso que apareceu nos olhos dela. O afago. Seus dedos finos e suas unhas vermelhas tocaram-lhe o rosto. Um leve carinho que se iniciou perto dos olhos dele, morreu no queixo com vontade de nascer na boca. Vergonha. Timidez. Tímida diante da pessoa com quem mais teve intimidade. Tímida perante a intimidade que já existiu.
    Fins de relacionamentos são injustos com os sentimentos. E com as vontades. Também com o costume. Sempre há um pouco de comodidade nessa paixão toda. Mas o estranho é o estranho mesmo. Ora compartilhar imensa intimidade e cumplicidade. De repente completos estranhos. Não ser mais com o outro. Ser sem ele. Sem ela.
      Ele gostou daquele carinho. Percebeu a mão delicada e gelada de inverno morrer no seu queixo. Queria que ela tivesse morrido na sua boca. Queria morrer na boca dela. Queria, como nunca deixou de querer, o gosto da saliva dela. Gosto de puro beijo. Sorriu sinceramente. Chegou mais perto. Ele não sabia se as bochechas dela estavam rosada por causa do vento invasivo ou do reencontro.
     Eles tentaram se manter neutros, mesmo depois da visível felicidade, da imensa vontade, da clareza no olhar.
     Se abraçaram. A rua estaria em silêncio não fosse pelo rápido gemido de conforto que ela mostrou por estar com ele. A rua estaria em silêncio não fosse pela respiração emocionada que ele não conseguiu disfarçar. A luz amarelada do poste fazia uma única sombra na parede. Agora que ela não via o rosto dele e ele não via o rosto dela as expressões se sentiram livres para dizer o que eles preferiram esconder.
     A sombra não era mais uma só. Dois corpos que se amaram inúmeras vezes. Duas pessoas que ainda se querem. Um último olhar. Um adeus. A certeza de que não é o último olhar, o adeus. Ela seguiu reto e ele também. Vontade de outro reencontro inesperado. Vontade do beijo que não aconteceu. Mas eles não olharam pra trás.

terça-feira, 21 de junho de 2011

domingo, 19 de junho de 2011

sábado, 18 de junho de 2011

Tropeço

Tenho tomado pouca água
Não tenho saído pra correr
Não tenho olhado o céu
Há tempos não vejo um filme
Há meses não leio um livro que quero ler
Tenho me distraído pouco
Esquecido de ligar em casa,
de parar de beber,
de fazer o trabalho
Tenho me preocupado tanto
que não tenho vivido também.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Noite

Não sei se são meus sentidos, mas o alarme do prédio demorou mais pra começar a tocar depois que entrei pela porta de vidro. Quando percebi, foleava páginas em branco do meu caderno naquela aula que tinha acabado há pouco. Já não aguentava mais olhar pro professor cansado e pra colega chata com cara de conteúdo. É... quando vi, meu amigo quis saber pra onde eu estava olhando. Mas eu não olhava lugar nenhum. O filme se passava na minha cabeça. E eu pensava na cabeça, na tristeza, na moleza, na fraquezana esperteza (que não tenho), na desdenha na senha!!! A maldita senha que esqueci. Cartão bloqueado. Bolso furado. Coração despedaçado.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

E agora?

Como faz? Pra deixar passar, pra esquecer, pra não se entorpecer.
Ouvir um ruído e não se afobar.
Não esperar a ligação que não chega.
O que me disse aquele olhar?
Não desejar a palavra doce.
Não querer, não querer.
Reticências são incertas...
Pontos finalizam a história.

domingo, 12 de junho de 2011

Código surpresa

Às nove da manhã o interfone. Flores pra ela. Um código. Uma brincadeira secreta de dois. Os números naquele cartão significam o que ele quis dizer pra ela. Significam a história dos dois. Só ela sabe o que está escrito. É só ela que pode entender essa brincadeira. Esses números. A representatividade daquilo que eles não sabem muito bem o que é. Nem sabem muito bem como está. O que eles sabem é que eles sentem. Ela sente. Ele sente.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Coreografia do ritmo

Passou rápido a hora.
Você já não está mais aqui
As folhas secas do chão já acabaram
Minha música preferida parou de tocar


Passou devagar a hora.
O velório perdura
A anestesia insiste
Essa aula nunca termina


Passou rápido a hora.
O ônibus já chegou
Já são três da tarde
O salário já caiu


Passou devagar a hora.
O ônibus ainda não chegou
Ainda são três da tarde
Cadê meu pagamento?

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Cotidiano

Tudo foi pelo chão. Não por causa de uma catástrofe, um terremoto, obra divina ou qualquer evento (sobre)natural que foge ao controle humano. Tudo estava quebrado, esmagado, torto. Tudo por causa de uma ação humana. Ação essa guiada por uma fúria. Não um furacão, uma fúria. Apesar de que aquela fúria era digna de um furacão e de ventos em velocidade extraordinária. Mas era só raiva mesmo. Só uma raiva dominadora que quebrou todos os copos do armário e arrancou algumas páginas de alguns livros. Nada demais. Alguns socos na boca do outro, pontapés na canela, cortes de faca afiada na barriga, órgãos removidos e olhos furados. Algo normal. Corriqueiro. As páginas de Maurice Merleau-Ponty, Dostoiévski e Florbela Espanca pousavam no sangue ou eram furadas por balas de revólver. Mas tudo ainda estava bem porque o retrato de Jack (o estripador) continuava com fisionomia tranquila. Quando ele, o Jack, se espantar, aí sim é hora de parar.